Não sou definitivamente alguém que viva no e do passado. Vivo muito no presente e uma boa parte a planear o futuro mas não vivo amargurada com o passado ou ocupada a relembrar os bons momentos que já vivi deixando passar o presente e os bons momentos do dia a dia para viver nas memórias.
Não quer dizer que com isto seja ingrata com a vida e com Deus em quem creio e com quem vivo de uma forma muito própria e sem a " formatação " de qualquer religião ( lá está o cunho católico que é a que melhor conheço mas ainda assim não me posso dizer uma católica fervorosa, acredito num Deus bom, justo, que quer o melhor para os seus, ainda que muitas vezes esse melhor pareça uma dura pena ). Reconheço as Graças no momento em que acontecem, não as esqueço, mas não passo os meus dias a pensar no que tive de bom e de mau, penso sim no que tenho naquele momento. E com ter não falo de bens materiais, falo de ter saúde, de ter filhos, de ter uma casa e de ter o dinheiro suficiente para pagar as contas e suprir as nossas necessidades.
Bom mas já me alonguei, queria eu dizer que vivo pouco o passado mas que tenho momentos, quando estou só e sem tarefas que me ocupem os pensamentos, em que olho para trás e vejo o quanto a minha/nossa vida mudou. Isso aconteceu-me há dias.
Entre 2007 e 2008 tive mais de 365 dias em que todos os dias eu estava no limbo, TODOS. TODOS os dias eu tinha de estar atenta aos sinais, sintomas, tensão arterial, peso. Em que pelo menos de 3 em 3 dias, ia ao hospital fazer exames, ter consultas, análises, meios auxiliares de diagnóstico e regressava a casa, sempre, sem diagnóstico, sem saber o que tinha e sem saber se o tratamento aplicado iria travar aquilo que não se sabia o que era. Nessa altura não vivi no presente, vivi no futuro e vivi algumas partes no presente sim, quando estava com a minha filha, pois a ela eu não tinha de explicar o exame que fiz, o resultado que deu, as esperanças e incertezas dos médicos.
Opera, não opera, será doença genética, meningite... posso estar com a minha filha, tem a certeza que não é transmissível?Durante esse tempo, eu fui muito pouco mulher, limitei-me a ser mãe, com as limitações que tinha e com as dependências que tive do meu marido. " Na saúde e na doença..."
Entre 2008 e 2009 tive finalmente o diagnóstico e iniciou-se a "cura ", uma cura com uma possibilidade de recidiva de 10 a 20%, mas uma cura. Até finais de 2009 não sabia se poderia alguma vez voltar a engravidar, a pressão sobre os nervos ópticos de um parto, o eventual aumento da pressão intracraniana com o aumento do volume sanguíneo numa gravidez e claro, o inevitável aumento de peso que vem com uma gravidez. Tudo dúvidas legítimas dos médicos que me fizeram perder a esperança e a conformar-me com o facto, Já era mãe e havia um desejo grande de o voltar a ser, mas já era e portanto conformei-me.
Em Setembro o médico diz-me que poderia voltar a engravidar, desde que devidamente seguida. Seria uma gravidez de risco ( para mim ) mas possível . Possivelmente cesariana para não submeter o meu nervo óptico à pressão da expulsão, ainda assim o parto normal não estava excluído.Poderia também recomeçar a fazer desporto, controladamente.
Nesse dia saí do consultório e agradeci muito, chorei de alívio de alegria e nesse dia sim, vivi a dor que até ali andava a abafar. Partilhei a notícia com a família e amigos mas decidi que queria eliminar ao máximo os riscos e um dos factores de risco é a obesidade.
Continuei a minha dieta, comecei a fazer drenagens linfáticas e ginástica de reeducação postural.
Logo no inicio de 2010 mudo de emprego, ingresso num ginásio 3 vezes por semana e começo a fazer radiofrequência na zona abdominal, em consonância com as drenagens linfáticas. Perco algum peso mais e vários cms mas ainda estava longe do meu objectivo, perder mais uns 8 a 10kgrs e em 2011 engravidar.
Em Abril, temos 2 vezes sexo desprotegido ( estavamos malucos, lol ). Nunca em momento algum eu genuinamente pensei que poderia engravidar. Da Beatriz levei 5 meses até o conseguir com " treinos intensos ". Chega Maio e o marido pergunta-me:
- Quando é que te vem o período?
Como sempre, faço contas de cabeça e percebo que já deveria ter aparecido. Continuo a pensar que não estaria grávida mas " as orelhinhas ficam no ar ". O marido compra o teste e eu espero mais um dia para o fazer.
Na manhã seguinte faço o teste e nem 1 minuto depois, as 2 riscas confirmam a gravidez. Entro num pânico silencioso e começo a arrumar os armários do wc enquanto esperava pelos 3 minutos que o teste pedia, na esperança de arrumar também as ideias que me iam na cabeça.
Tinha feito radiofrequência abdominal andava a fazer depilação a laser, tudo contra indicado numa gravidez. Mentalizei-me que teria de abortar e telefono no mesmo dia à minha médica. Desvaloriza a radiofrequência e manda-me ir às urgências na segunda feira, quando ela estava de banco. Faz-me logo uma ecografia e detecta a gravidez gemelar. Chama uma colega para a confirmar e me dar a notícia.
Seguiu-se uma gravidez muito controlada mas com a Graça de Deus, sem qualquer contratempo e mais saudável ainda que a gravidez da Beatriz.
Seguiu-se um parto normal e mais 2 filhas lindas e saudáveis.
Olhando para trás e comparando o meu futuro provável com o presente actual não posso deixar de estar grata e de olhar para o que tenho. 3 filhas, saúde e VIDA, tudo coisas altamente improváveis, há 3 e 4 anos atrás.
Olhei o passado e mais uma vez, recordo a oração "
Pegadas na areia ".