24 maio 2011

Retrospectivas

Não sou definitivamente alguém que viva no e do passado. Vivo muito no presente e uma boa parte a planear o futuro mas não vivo amargurada com o passado ou ocupada a relembrar os bons momentos que já vivi deixando passar o presente e os bons momentos do dia a dia para viver nas memórias.
Não quer dizer que com isto seja ingrata com a vida e com Deus em quem creio e com quem vivo de uma forma muito própria e sem a " formatação " de qualquer religião ( lá está o cunho católico que é a que melhor conheço mas ainda assim não me posso dizer uma católica fervorosa, acredito num Deus bom, justo, que quer o melhor para os seus, ainda que muitas vezes esse melhor pareça uma dura pena ). Reconheço as Graças no momento em que acontecem, não as esqueço, mas não passo os meus dias a pensar no que tive de bom e de mau, penso sim no que tenho naquele momento. E com ter não falo de bens materiais, falo de ter saúde, de ter filhos, de ter uma casa e de ter o dinheiro suficiente para pagar as contas e suprir as nossas necessidades.
Bom mas já me alonguei, queria eu dizer que vivo pouco o passado mas que tenho momentos, quando estou só e sem tarefas que me ocupem os pensamentos, em que olho para trás e vejo o quanto a minha/nossa vida mudou. Isso aconteceu-me há dias.
Entre 2007 e 2008 tive mais de 365 dias em que todos os dias eu estava no limbo, TODOS. TODOS os dias eu tinha de estar atenta aos sinais, sintomas, tensão arterial, peso. Em que pelo menos de 3 em 3 dias, ia ao hospital fazer exames, ter consultas, análises, meios auxiliares de diagnóstico e regressava a casa, sempre, sem diagnóstico, sem saber o que tinha e sem saber se o tratamento aplicado iria travar aquilo que não se sabia o que era. Nessa altura não vivi no presente, vivi no futuro e vivi algumas partes no presente sim, quando estava com a minha filha, pois a ela eu não tinha de explicar o exame que fiz, o resultado que deu, as esperanças e incertezas dos médicos. Opera, não opera, será doença genética, meningite... posso estar com a minha filha, tem a certeza que não é transmissível?
Durante esse tempo, eu fui muito pouco mulher, limitei-me a ser mãe, com as limitações que tinha e com as dependências que tive do meu marido. " Na saúde e na doença..."
Entre 2008 e 2009 tive finalmente o diagnóstico e iniciou-se a "cura ", uma cura com uma possibilidade de recidiva de 10 a 20%, mas uma cura. Até finais de 2009 não sabia se poderia alguma vez voltar a engravidar, a pressão sobre os nervos ópticos de um parto, o eventual aumento da pressão intracraniana com o aumento do volume sanguíneo numa gravidez e claro, o inevitável aumento de peso que vem com uma gravidez. Tudo dúvidas legítimas dos médicos que me fizeram perder a esperança e a conformar-me com o facto, Já era mãe e havia um desejo grande de o voltar a ser, mas já era e portanto conformei-me.
Em Setembro o médico diz-me que poderia voltar a engravidar, desde que devidamente seguida. Seria uma gravidez de risco ( para mim ) mas possível . Possivelmente cesariana para não submeter o meu nervo óptico à pressão da expulsão, ainda assim o parto normal não estava excluído.Poderia também recomeçar a fazer desporto, controladamente.
Nesse dia saí do consultório e agradeci muito, chorei de alívio de alegria e nesse dia sim, vivi a dor que até ali andava a abafar. Partilhei a notícia com a família e amigos mas decidi que queria eliminar ao máximo os riscos e um dos factores de risco é a obesidade.
Continuei a minha dieta, comecei a fazer drenagens linfáticas e ginástica de reeducação postural.
Logo no inicio de 2010 mudo de emprego, ingresso num ginásio 3 vezes por semana e começo a fazer radiofrequência na zona abdominal, em consonância com as drenagens linfáticas. Perco algum peso mais e vários cms mas ainda estava longe do meu objectivo, perder mais uns 8 a 10kgrs e em 2011 engravidar.
Em Abril, temos 2 vezes sexo desprotegido ( estavamos malucos, lol ). Nunca em momento algum eu genuinamente pensei que poderia engravidar. Da Beatriz levei 5 meses até o conseguir com " treinos intensos ". Chega Maio e o marido pergunta-me:
- Quando é que te vem o período?
Como sempre, faço contas de cabeça e percebo que já deveria ter aparecido. Continuo a pensar que não estaria grávida mas " as orelhinhas ficam no ar ". O marido compra o teste e eu espero mais um dia para o fazer.
Na manhã seguinte faço o teste e nem 1 minuto depois, as 2 riscas confirmam a gravidez. Entro num pânico silencioso e começo a arrumar os armários do wc enquanto esperava pelos 3 minutos que o teste pedia, na esperança de arrumar também as ideias que me iam na cabeça.
Tinha feito radiofrequência abdominal andava a fazer depilação a laser, tudo contra indicado numa gravidez. Mentalizei-me que teria de abortar e telefono no mesmo dia à minha médica. Desvaloriza a radiofrequência e manda-me ir às urgências na segunda feira, quando ela estava de banco. Faz-me logo uma ecografia e detecta a gravidez gemelar. Chama uma colega para a confirmar e me dar a notícia.
Seguiu-se uma gravidez muito controlada mas com a Graça de Deus, sem qualquer contratempo e mais saudável ainda que a gravidez da Beatriz.
Seguiu-se um parto normal e mais 2 filhas lindas e saudáveis.
Olhando para trás e comparando o meu futuro provável com o presente actual não posso deixar de estar grata e de olhar para o que tenho. 3 filhas, saúde e VIDA, tudo coisas altamente improváveis, há 3 e 4 anos atrás.
Olhei o passado e mais uma vez, recordo a oração " Pegadas na areia ".

5 comentários:

Unknown disse...

Uma lutadora e uma grande Mulher, é oq ue és!
Parabéns a ti e parabéns aos 4, são uma família LINDA!
Beijocas

Susie disse...

É verdade. Ainda há pouco ao ver o video que puseste no FB me lembrei disso. Das incertezas de há uns anos e da realidade agora! É bom, fico tão feliz por ti :)

Lúcia disse...

Obrigada Susana, muitas de vocês foram uma bóia de salvação que me animaram e me deram forças para continuar a nadar, mesmo quando me apeteceu ( ainda que pouquissimas vezes felizmente ) baixar os braços.
Não me acho ( falo sério sem falsas modéstias ) alguém muito corajosa, acho que isso sim, gosto muito de viver e a minha filha mais que qualquer outra pessoa, não me permitiu que fosse egoísta e que olhasse para o meu umbigo. Eu existo por mim sim, mas por ela(s), para ela(s) e eu tinha de marcar a diferença naquela criança que é a minha filha, eu tinha de continuar a ser uma mãe atenta e feliz, ela tinha 2 anos, não entendia o que se passava e ainda bem e por isso eu tinha de me mostrar feliz, contente energética. Espero sinceramente que ninguém, nem mesmo os meus eventuais inimigos passem por semelhante, mas acho que muitas das pessoas que aqui vêm seriam capazes do mesmo. Pelos filhos arranjamos forças onde nem sabiamos que tinhamos. Provavelmente se não tivesse a Beatriz teria sido muito diferente, provavelmente se o Nuno não fosse meu marido, o nosso casamento não teria resisitdo. Passou felizmente e não deixo de estar grata por ter passado pelo que passei, aprendi, cresci, reforçamo-nos e posso assim olhar para trás e estar feliz com o que temos :)

Susie disse...

Lucia, como sabes tive uma depressão e acredita que sei perfeitamente do que falas, do que passaste e do que te fez continuar. Comigo foi igual. Embora seja uma situação muito diferente mas muito igual também, porque o meu diagnóstico foi imediato (assim eu decidi que tinha mesmo que pedir ajuda) mas a verdade é que durante três anos da minha vida eu estive muito doente sem saber (ou admitir...) que o estava e muitas, mas muitas vezes, pensei em desistir. A única coisa que me fez continuar foram os meus filhos. Não suportava a ideia de os fazer passar pela perda da mãe. E isso foi o bastante. E embora eu me queixe muito a verdade é que o meu casamento ter sobrevivido a tudo o que se passou foi um milagre. milagre esse que se deveu ao amor que temos um ao outro. Sem amor, dos filhos e do marido, eu hoje não estava aqui a comentar o teu texto. E acredita que é uma felicidade imensa ver-te tão bem, tão feliz e com vontade de ainda ter mais um (ou dois, com carro de 7 lugares ainda cabem mais dois :)). O blogue foi muitas vezes o meu escape, sim. E as vossas palavras ajudaram-me muito a ultrapassar. Mais do que muita gente que está perto de mim e que acabou por não me saber apoiar. Sem nenhuma intenção, é certo, pois tenho uma familia maravilhosa, mas que não compreendem a realidade que é a depressão. Dizerem-me que eu não tinha motivos para andar tão em baixo era precisamente o oposto do que eu precisava de ouvir! Aqui houve muita gente que me disse (escreveu) as palavras certas.
Já te disse que te admiro imenso e gosto muito de ti? É verdade!

E adoro a internet também. De certa forma já me salvou a vida.

Lúcia disse...

Vou ali engolir o nó na garganta e já venho :)